De um modo geral os meios culturais e científicos têm desenvolvido trabalhos de investigação sobre as actividades da Inquisição. Contudo, consideramos que o essencial não tem ficado bem explícito.
A essência da Inquisição, aquilo que constituiu o seu verdadeiro âmago e a sua mais firme instituição, as ideias e o suporte da sua actividade mais danosa (a sua defesa e ataque), foi sempre o saber universitário, o saber desenvolvido e ensinado nas suas instituições dedicadas ao saber, o saber por elas reproduzido.
O que constituiu a essência da Inquisição é o Saber Instituído, e este saber tem por suporte um sistema de segurança milenário que tem por base a vassalagem. Exactamente, as relações de vassalagem constituem ainda hoje a base da sua segurança, que ainda se serve de um medieval e bem instituído diz-se diz-se, isto é, as bem assinaladas citações dos ilustres letrados, e dos seus antecedentes, e as anteriores remetendo aos seus antecessores, assim se dirigindo ou em diagonal, ou progredindo por limitados palmos para a frente, para o lado, ou atrás, até atingir o dogma, que em tempos mais remotos seria chegar até à Bíblia e à sua interpretação, também ela (a interpretação) fundamentada pelas citações de citações. Os sábios destas instituições sempre se entrelaçaram entre si (em colóquios, conferências, congressos, publicações controladas e reservadas, etc.) em ideologias, muitas vezes primárias, que defendem como ciência, donde se constituem por donos e senhores únicos do saber, cilindrando tudo e todos os que se lhes oponham. Pois não eram sempre os professores doutores, as Cátedras das mais importantes universidades da Europa, aqueles que eram chamados para ajuizar das publicações mais polémicas? E não o serão (são) actualmente?
Para fazer um juízo do pensamento (obra) de Erasmo em 1527, em Valladolid, reuniram-se as principais Cátedras de Espanha, Portugal (Pedro Margalho, Diogo de Gouveia Sénior, e D. Estevão de Almeida), Itália, etc.. Quem ajuizou as obras de Giordano Bruno ou de Galileu, não foram as Cátedras das mais importantes universidades da época?
Gil Vicente denunciou algo que se aproximava desta situação quando escreveu na didascália inicial do Auto de Inês Pereira, porquanto duvidavam certos homens de bom saber se o autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores..., contudo a preferência da Corte pelo seu trabalho foi, ao longo de toda a sua vida, a sua melhor defesa, mantendo o laço atado ao pé, tal como expôs pelo Parvo e Filósofo de Floresta de Enganos.
* Exemplos significativos são:
na Física conforme a leitura de José R. Croca, e Rui Moreira, Diálogos sobre Física Quântica - dos Paradoxos à Não-Linearidade, 2007, ed. Esfera do Caos;
e também na investigação literária, lembramos um trabalho colossal, dos mais importantes das últimas décadas, de Selma Pousão-Smith, Rodrigues Lobo, os Vila Real e a estratégia do dissimulatio, 2008, ed. autor.
O que hoje se passa em relação ao saber nas Cátedras universitárias não é muito diferente do que já se passou séculos atrás, somente as técnicas dos sábios das instituições são outras! Hoje quem contraria o Saber Instituído é apenas silenciado, não se faz de um simples galileu qualquer referência para que nem haja um mínimo de divulgação, dele se omite a existência e a dos seus trabalhos mesmo que publicados. Como se não existissem, tudo fica invisível à sociedade, cujo comportamento é também semelhante ao de outros tempos, apenas se diferencia pela maior eficiência que o progresso tecnológico nas comunicações trouxe para a cultura e sua divulgação. Já não se acusa nem se organizam processos de inquirição, pois para isso seria necessário assinalar algo como existente; já nem sequer se permitem dar a conhecer, nem se contrapõem argumentos, nem se negam, repetimos, - porque se omite de forma sistemática como se não existissem - além disso esta nova forma de censura inquisitória (não agindo nem reagindo) é mais económica e mais limpa, mais ecológica, dado que, por fim, nem é necessário aquele método primitivo da fogueira, pois há novos métodos mais silenciosos e que não provocam poluição em alarmismos sociais.
Porém alguém poderá pensar que, ao contrário de há séculos, hoje há Ciência e por essa razão as coisas já não são como dantes! Na verdade os exemplos multiplicam-se * nas mais diversas áreas das ciências, até mesmo na Física, quanto mais nas outras, nas ciências humanas ou nas Artes. Muitos cientistas estão nas universidades, e como noutros tempos, remam contra a maré, mas também muitos outros optaram por sair ou tiveram de abandonar as Instituições, muitos saíram por sua vontade por não suportarem mais os adeptos da actual e renovada laica Inquisição.
A rede Internet (web) não escapa a uma Censura, talvez até a mais eficiente, porque mais bem organizada pelos ‘motores de busca’, que de um modo geral funcionam mais pelas receitas financeiras ou pela sua possibilidade, do que pela integridade da sua autoproposta missão.
Quem hoje faz uma pesquisa na Internet tem muito mais dificuldade em encontrar diferenças na informação obtida numa busca do que tinha há cinco ou seis anos atrás. Hoje a informação que não obedeça aos critérios comuns (enciclopédias caducas, revistas sujeitas a controlo "especializado", jornais ditos de "referência", etc.), aos dogmas de cada actividade ou área do saber, dificilmente surge como resultado de uma busca. Poderão dizer que isso se deve à quantidade de informação, mas o argumento não serve porque "uma quantidade igual de informação" será posta de parte pelo próprio motor de busca. Só se aceita que todos digam o mesmo, mesmo que da mesma maneira.
Trata-se de um controlo dirigido pelos fornecedores dos serviços Internet que obedece a pedidos de censura feitos por governos, instituições públicas e privadas. Trata-se de limitar as ideias correntes a determinados modelos que se considerem aceitáveis pelos detentores do Sistema do Poder e do Saber Instituído: instituições políticas, grandes empresas multinacionais e nacionais, organismos culturais, universidades, centros de investigação, etc..