Nos casos mais caricatos, [os opositores às demonstrações do investigador] limitam a sua opinião a contestar as hipóteses colocadas por Braamcamp Freire com preconceitos, alguns ridículos, como por exemplo: dizer que se ele tivesse sido ourives não se queixaria da falta de dinheiro. Não vale a pena dizer nada sobre isto, pois qualifica quem faz a afirmação. Mas a maioria é por não saber o que era um ourives nos séculos xv e xvi, relacionando o autor dos autos com os ourives actuais ou com os do século dezanove, para assim lhe inventarem um local de nascimento e até uma família! E o que é espantoso e lamentável, é que muitas das publicações ditas científicas, e sobretudo aquelas produzidas por organismos ligados à investigação, venham repetindo essas fantasias, assim como as afirmações ridículas que denunciámos, tomando-as e fornecendo-as ao público e a organismos internacionais, como hipóteses válidas! [p.242]
Podemos dizer (...), que podendo haver inúmeras pessoas com esse mesmo nome [Gil Vicente], e Braamcamp Freire encontrou alguns coetâneos, ou sensivelmente do mesmo tempo, já seria mais difícil, senão uma impossibilidade, que estivessem no mesmo lugar com idades muito próximas, convivendo com os mesmos outros, frequentando o mesmo meio social, e ainda mais no seio de uma elite, convivendo com a Corte portuguesa, e logo, todos eles pessoas de excepção, e não haver um único documento que os diferencie.
Ora, assim sendo, se essas pessoas com o mesmo nome estivessem no mesmo lugar e ao mesmo tempo, perante tal meio social de elite, toda a documentação sobre essas pessoas embora pouca, deveria distinguir exactamente tais pessoas com outros apelidos, que de alguma forma as pudesse identificar com precisão. Não só a documentação, mas também as raras referências existentes! Logo, também o Garcia de Resende, muito em especial na sua Miscelânea, deveria ter distinguido com precisão o Gil Vicente ourives, do Gil Vicente do teatro, do pintor, do escultor, do alfaiate, do mestre de retórica, etc., pois todos eles seriam seus contemporâneos, e senão todos, a maior parte deles teriam convivido com ele na Corte, do início ao fim da sua vida.
Pensamos que esta questão, se existisse, e houvesse que a resolver, então seria demonstrar que teriam sido pessoas distintas, o que seria fácil… [p.243-244]