Em Fedro, Platão sublinha uma ideia a reter para a dialéctica, e muito em especial para a técnica do discurso retórico baseado na dialéctica, uma ideia que Fedro pede a Sócrates que volte a repetir para melhor ser lembrada (265d-e, 273e, 277b-e), que já antes tinha ficado concretizada no próprio discurso de Estesícoro, e que aqui resumimos, numa espécie de listagem com as regras de ouro de Platão para a Técnica da Retórica.
Quem pretender fazer um bom discurso retórico deve:
1 – Conhecer a verdade dos assuntos sobre os quais pretende falar ou escrever; e (a) que seja capaz de reduzir a uma ideia única, que se possa abarcar de um relance, as várias realidades dispersas por muitos pontos (tópicos); isto é, que ele seja capaz de definir essa mesma ideia em cada um dos assuntos a tratar, mas que, pela definição, em cada unidade se possa tornar evidente cada um dos tópicos; (b) e, uma vez que tudo tenha sido condensado numa única ideia, que se saiba dividir de novo em diferentes espécies, segundo as articulações naturais, até atingir o indivisível, mas de modo a não provocar rupturas, como faz o carniceiro inexperiente;
2 – Conhecer a natureza humana, a sua alma (o espírito humano), caracterizando os seus tipos ou espécies; (a) que se encontre, depois de a analisar do mesmo modo que referimos no ponto um, para cada tipo ou cada espécie de alma, a forma apropriada de discurso; e (b) em seguida, se disponha e ordene em conformidade o discurso, oferecendo à alma complexa discursos complexos e com toda a espécie de harmonias, e simples à alma simples. Concluindo: (273e) se uma pessoa não puder fazer a lista completa das diversas naturezas de quem vai escutar, se não for capaz de dividir os seres segundo as suas espécies, e de reduzir cada uma dessas espécies a uma só ideia, jamais será um bom técnico da oratória.
(...)
Assim, aquele que pretender escrever um discurso vivo, deve considerar ser a escrita muito semelhante à pintura, pois como os produtos desta, os textos escritos permanecem como seres vivos (…). Mas, se lhes perguntares alguma coisa, respondem-te com um silêncio cheio de gravidade (…). Poderá parecer-te que o pensamento como que anima o que dizem; no entanto, se movido pelo desejo de aprender, os interrogares sobre o que acabam de dizer, revelam-te uma única coisa e sempre a mesma. E, uma vez escrito, todo o discurso rola por todos os lugares, apresentando-se sempre do mesmo modo, tanto a quem o deseja ouvir como ainda a quem não mostra interesse algum, e não sabe a quem deve falar e a quem não deve. Além disso, maltratado e insultado injustamente, necessita sempre da ajuda do seu autor, uma vez que não é capaz de se defender e socorrer a si mesmo (275d-e).
Podemos então apresentar a terceira regra:
(a) que se encontre o modo de escrever o discurso vivo e animado, esse que é capaz de se defender a si próprio, que sabe falar e ficar silencioso diante de quem convém. Aquele que, nos jardins da escrita, segundo parece, se semeia e escreve por divertimento; e sempre que se escreve entesoura recordações para si.
(b) tendo então presente que a ocupação nestas matérias se torna muito mais bela, quando alguém, usando a técnica da dialéctica, e tomando uma alma apta, planta e semeia com discernimento discursos que são capazes de vir em socorro de si mesmos e de quem os plantou, (277a) que não ficam improdutivos, mas possuem gérmen, donde, em índoles diferentes, nascem outros discursos, capazes de tornar para sempre esse gérmen imortal e de conceder – dentro das limitações humanas – o mais alto grau de felicidade a quem o possui.
[p.58, 59, Gil Vicente e Platão, Arte e Dialéctica, Íon... de Noémio Ramos]