O público mais habitual é bastante culto, os figurantes são muitos dos poetas da Corte e as suas musas, e se o poema Cativo de minha tristura, de Mancias, resume o drama do Velho (na trama do enredo, a aparência do mythos), no primeiro episódio da acção dramática, no diálogo com a Moça, Gil Vicente coloca na acção, isto é, põe em cena (encena) e desenvolve, o poema do galego Rodriguez del Padrón, Siete gozos de amor. Também este poema consta do Cancionero General (1511) de Hernando del Castillo, tal como a obra de Rodrigo de Cota a que antes fizemos referência.
As razões de Gil Vicente para ir buscar este poema, para além da referência e até relação com Mancias e a sua sepultura, é que este poema é uma paródia a muitos outros poemas religiosos da sua época que cantavam os gozos de amor da Virgem, como o do Marquês de Santillana, Íñigo Lopez de Mendoza (1398-1458), Los gozos de Nuestra Señora, ou o poema do franciscano, Fray Íñigo de Mendoza (1425?-1507?) — com larga presença no Cancionero General — também intitulado Los gozos de Nuestra Señora (Anunciação, Concepção, Reis Magos, Ressurreição, Ascensão, Pentecostes, Assunção)... Perante este poema e a vida social do seu autor, Rodriguez del Padrón (1395?-1452?), usa a ideia dos gozos da Virgem para referenciar e desenvolver os sete gozos de amor e um finalizar (no cabo), — como o então jovem frade nos seus versos — dirigindo os seus amores a uma donzela, de quem não será, não pode ser, correspondido, pelo que os seus prazeres se resumem a ver e desejar.
Para uma reconstituição da encenação é importante conhecer o que envolve estas obras e os seus autores, a fim de tentar perceber as motivações e as intenções de Gil Vicente quando coloca na acção da sua peça a paródia de Rodriguez del Padrón.
Primeiro, o Cancionero General (1511) está fresco na memória de todos, acabou de se imprimir, depois porque vem avivar a lembrança dos poetas de uma elite cultural comum, e por fim, porque nesta obra Gil Vicente encontra matéria disponível acessível ao uso, de modo a facilmente fazer chegar a sua mensagem não apenas aos espíritos mais cultos, mas a todos os que tinham acabado de ler o Cancionero. E nele, em Otras coplas de Vázquez de Palencia contra Fray Yñigo de Mendoza..., este autor diz a certo passo:
Que este religioso santo
metido en vanos plazeres
es un lobo en pardo manto...
Como entiende y sabe tanto
del tracto de las mugeres!
... Assim era conhecido Fray Íñigo de Mendoza, mas também pelos poemas eróticos feitos na juventude. Possivelmente terá sido perante Los gozos de Nuestra Señora deste frade, que Rodriguez del Padrón na sua paródia inclui a atitude do poeta, ao colocar o sujeito às portas do templo fazendo versos à Virgem (ou uma virgem) ...
Ante las puertas del templo
do recibe el sacrifício,
Amor, en cuyo servicio
noches y dias contemplo.
La tu caridad demando
obedescida, Señor,
a aqueste ciego amador,
el qual te dirá cantando
si de él te mueve dolor,
los siete gozos de amor.