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Sobre o "Auto da Feira da Ladra"
...impresso como anónimo - em 1625
Auto dos escrivães do Pelourinho
Papa Clemente VII
O texto desta página, de Noémio Ramos, encontra-se no livro.
Gil Vicente, o Clérigo da Beira, o povo espoliado - em pelota.
Pub. Março 2012 - isbn - 978-972-990007-5

         
A acção dramática da peça tem, como lugar aparente, a nobre Feira / que há sobrenome Ladra (segundo o patife do Duarte), a Feira da Ladra em Lisboa, o que constitui uma outra figuração muito semelhante àquela apresentada em Évora no Natal de 1524 - o Auto da Feira - a que Gil Vicente deu então o nome de Feira das Graças, e como então dizia o Tempo, falando em nome de quem a rege:

Tempo:
           Em nome daquele que rege nas praças
           de Anvers e Medina as feiras que tem
           começa-se a feira chamada das Graças
           à honra da virgem parida em Belém.    
(185)

        Fala em nome dos banqueiros alemães, em especial pelos banqueiros imperiais, em 1524 Jacob Fugger e agora, no Inverno de 1526 para 1527, com a morte de Jacob em Dezembro de 1525, o seu sobrinho Anton Fugger assume a direcção dos negócios da Banca. Portanto, para Gil Vicente, quer seja a Feira das Graças quer a Feira do Paço, ou a da Ladra, trata-se sempre da mesma Feira, é portanto a mesma feira onde o néscio Gonçalo (o Povo) é espoliado em Clérigo da Beira. Trata-se de figurar a feira imperial que é dirigida - por quem a rege - pela Banca dos Fugger. Então o lugar da acção dramática de Escrivães do Pelourinho é o Sacro Império Romano Germânico, cujo coração está em Itália, no lugar mais vivo da renascença, entre Roma (a cabeça), Veneza e a Lombardia, tendo o seu centro na Toscânia. Estas regiões de Itália (lugar das guerras) é o lugar da Feira, e o tempo da peça decorre num qualquer dia, dos últimos de 1526 ou dos primeiros de 1527. A situação política é de expectativa.
        Quando esta  saga da feira começou, no Natal de 1523 - com a eleição do novo Papa, - ficou definido, digamos, a campo da acção, quando a Ama de Vasco Afonso (Carlos V) o manda a Évora (Roma) a exigir a sua herança (a Itália e a Igreja, como partes integrantes do Sacro Império) que alguém - o novo cura (o Papa) lhe quer tirar: que minha ama / me dixe lá em Almeirim, / nam sei como se ela chama: (65) // Vai sandeu, / a Élvora por alvaral / del rei, que te dem o teu / como [quando] passar o Natal... / E a isto vinha eu... (70)
        Esta referência à ida do rei para Évora (exigir o que é seu) está aqui presente em Escrivães do Pelourinho, e se em Clérigo da Beira o tema, no seu âmago, anda à volta da Itália (território) e do seu Povo (Gonçalo) que está sujeito a todos os roubos e sacrifícios, nesta peça que se lhe segue, mantém-se a questão da Itália, mas agora tudo anda à volta da sua Senhora, a Igreja de Roma. E, excepto o Parvo e, de certo modo, o Moço do Escudeiro, todos os outros querem aquela Senhora, pois a Velha quer o seu Gonçalo da Cortiçada (o Papa), o patife do Gonçalo que anda a jogar contra o Duarte, mas que já perdeu a sua mesa (Banca) noutros jogos e agora anda a tentar recuperá-la, ao jogo nas feiras, como diz o seu escrivão.  Também o Ratinho se chama Gonçalo, tem o mesmo nome que o patife (Gonçalo) que figura o Papa, por ser uma figuração de Florença, ainda governada pelos Medici, em nome do Papa e de seus sobrinhos menores - Alexandre, n.1510 e Hipólito, n.1511, - por alguém, em cuja equipa está Nicolau Maquiavel.

      
(...)

        Claro que o cenário é de uma feira (a da Ladra), e por isso haverá algumas mais bancas e bancadas a comerciar, figurantes em movimento e, algumas das personagens podem passar a entrar e sair. Até que entra o Duarte e inicia a peça, expondo a sua mudança de vida em relação a Clérigo da Beira, o que serve de identificação da figura. Entra depois Gonçalo, que é um jogador inveterado, para avisar que o Conselho, o seu Conselho, decidiu mudar a feira para o Rossio (Vaticano), figurando com isto a mudança de banqueiros pelos Estados italianos do Papa. O referido Amo, de que Gonçalo vendeu a mesa, constitui uma referência aos banqueiros de Carlos V, segundo Duarte, um bom e honrado (rico) amo: foste mal aconselhado / de tal amo te sair (95). Prosseguem o diálogo em descrições sobre as suas nações (suas amas), onde a bebida e a embriaguês constitui uma referência às liberdades dos povos - como no Pranto de Maria Parda - e, depois, jogam, entram em disputa e luta de espada (guerra em curso), até que Gonçalo foge da feira.

      
(...)

        As ambições para dominar a Igreja de Roma são permanentes e estendem-se aos Estados mais poderosos da Europa, todos querem ter os seus cardeais e que algum deles venha a ser eleito Papa, e pagavam grandes somas para que isso sucedesse.
        Porém, a ideia do Sacro Império vai mais longe, era necessário que o Império dominasse a Igreja e que o imperador recebesse do Papa a sua coroação. O projecto imperial, idealizado em conjunto pela aliança de Maximiliano (avô de Carlos V) com os banqueiros de Aubsburgo, os Fugger em especial, e apoiado pelos Reis Católicos, pela Espanha, - ao qual se opõe a França (e mais tarde a Inglaterra), sobretudo quando Francisco se candidata ao lugar de imperador e não é eleito, - correu sem grandes problemas até à eleição de Giulio de Medici, Clemente VII. Este  Papa, deu-se conta que os banqueiros italianos estavam sempre em desvantagem e, logo que foi eleito em 1523, decidiu que a Banca italiana tinha de se impôr em Itália, primeiro pondo em dúvida as alianças estabelecidas pelo Império - Pastoril português - e, depois, ao proceder a uma nova escolha dos banqueiros para a Igreja, provoca com isso os conflitos mais declarados com o imperador em 1524, - Auto da Feira - e, porque não podia estar isolado, alia-se com o inimigo de Carlos V, Francisco I de França, - Clérigo da Beira - com a esperança de ficar melhor defendido e, ao mesmo tempo que a situação militar se vinha tornado mais duvidosa (com a prisão do rei de França), o Papa tentou assegurar que a Banca da Igreja se mantivesse em Itália, à porta de casa (Rossio, Hospital = Basílica de São Pedro, Vaticano) e assim, - Escrivães do Pelourinho - a Feira da Ladra deverá mudar, do Pelourinho Velho para o Rossio.
        A ideia da Mesa (banca) dos Escrivães (um adereço também figurativo na peça) na Feira da Ladra (outra figura na peça), e a escrita e leitura das Cartas, foi talvez sugerida pela mesa dos banqueiros nas feiras e pelas cartas de crédito e letras de cambio, pela sua emissão e recepção movimentando moeda (na figura do vintém), que constituiam as actividades mais importantes dos banqueiros nas principais feiras da Europa: Medina del Campo, Antuérpia (Anvers), Lyon, etc.

      
(...)
NOTA:
      Clemente VII antes de ser Papa, em 1523, - Cardeal Júlio de Medici - governava Florença em nome dos seus sobrinhos, órfãos de Lourenço II de Medici, e, ao seu serviço tinha Nicolau Maquiavel.

       Depois do saque de Roma, iniciado em 6  de Maio de 1527, em 18 de Maio, os Medici (e por ser colaborador deles, Maquiavel) são expulsos de Florença, sendo declarada a República.
     Os florentinos eram contra a presença dos franceses, como eram contra os espanhóis.
- Livros publicados no âmbito desta investigação, da autoria de Noémio Ramos:

(2019)  - Gil Vicente, Auto das Barcas, Inferno - Purgatório - Glória.
(2018)  - Sobre o Auto das Barcas de Gil Vicente, Inferno, ...a interpretação -1.
(2017)  - Gil Vicente, Aderência do Paço, ...da Arcádia ao Paço.
(2017)  - Gil Vicente, Frágua de Amor, ...a mercadoria de Amor.
(2017)  - Gil Vicente, Feira (das Graças), ...da Banca Alemã (Fugger).
(2017)  - Gil Vicente, Os Físicos, ...e os amores d'el-rei.
(2017)  - Gil Vicente, Vida do Paço, ...a educação da Infanta e o rei.
(2017)  - Gil Vicente, Pastoril Português, Os líderes na Arcádia.
(2017)  - Gil Vicente, Inês Pereira, As Comunidades de Castela.
(2017)  - Gil Vicente, Tragédia Dom Duardos, O príncipe estrangeiro.
(2015)  - Gil Vicente, Auto dos Quatro Tempos, Triunfo do Verão - Sagração dos Reis Católicos.
(2015)  - Gil Vicente, Auto dos Reis Magos, ...(festa) Cavalgada dos Reis.
(2014)  - Gil Vicente, Auto Pastoril Castelhano, A autobiografia em 1502.
(2013)  - Gil Vicente, Exortação da Guerra, da Fama ao Inferno, 1515.
(2012)  - Gil Vicente, Tragédia de Liberata, do Templo de Apolo à Divisa de Coimbra.
(2012)  - Gil Vicente, O Clérigo da Beira, o povo espoliado - em pelota.
(2010)  - Gil Vicente, Carta de Santarém, 1531 - Sobre o Auto da Índia.
             - Gil Vicente, O Velho da Horta, de Sibila Cassandra à "Tragédia da Sepultura" 
(2ª Edição, 2017)
(2010)  - Gil Vicente, O Velho da Horta, de Sibila Cassandra à "Tragédia da Sepultura".
(2010)  - Gil Vicente, Auto da Visitação. Sobre as origens.
(2008)  - Gil Vicente e Platão - Arte e Dialéctica, Íon de Platão.
             - Gil Vicente, Auto da Alma, Erasmo, o Enquiridion e Júlio II... 
(2ª Edição, 2012)
(2008)  - Auto da Alma de Gil Vicente, Erasmo, o Enquiridion e Júlio II...

- Outras publicações:
(2003) - Francês - Português, Dicionário do Tradutor. - Maria José Santos e A. Soares.
(2005) - Os Maios de Olhão e o Auto da Lusitânia de Gil Vicente. - Noémio Ramos.

  (c) 2008 - Sítio dedicado ao Teatro de Gil Vicente - actualizado com o progresso nas investigações.

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