Melhor referenciando ainda, todo este nosso trabalho de que agora iniciamos a apresentação com os 500 anos (1508) do Auto da Alma, incidiu sobre a totalidade da obra de Gil Vicente, toda ela considerada no seu conjunto, mas também sobre os autos anónimos do século xvi disponíveis ao grande público em Portugal, e até alguns reservados das Bibliotecas Nacionais de Espanha e Inglaterra. Além disso, depois de transcrevermos os autos anónimos quinhentistas para uma leitura actualizada, foi necessário reiniciar um estudo complementar da literatura da época, sobretudo da portuguesa. A nossa investigação não quis deixar nada de parte, pois após o esboço da concretização do trabalho, tivemos o cuidado de confrontar as nossas conclusões com as obras da especialidade até agora publicadas, que sem dúvida tinham de merecer a nossa atenção.
Este trabalho iniciou-se com o estudo dos Maios. Uns bonecos com que ainda hoje em Olhão, nos Açores e na Extremadura (Espanha), o povo celebra a festa, o dia de Maio (dia 1, festa da Primavera), com sátiras e outras formas de crítica política e social de vária ordem.
A passagem à obra de Gil Vicente foi feita pelo Maio florido, do Auto da Lusitânia, que aí surge disfarçado, incentivando a que haja confiança e se atente no que se vai seguir, que ele está disfarçado, que não é estrangeiro.
Em Julho 2005 publicámos um pequeno estudo etnológico sobre os Maios, a que demos o título de Os Maios de Olhão e o Auto da Lusitânia de Gil Vicente (978-972-990002-0). Todavia, apesar de, com a nossa exposição insistirmos na necessidade de dar atenção às questões da Cultura, ao mesmo tempo que solicitávamos a atenção dos responsáveis pela presidência da Faro Capital Nacional da Cultura 2005, e dos seus responsáveis sectoriais, e ainda dos responsáveis pela Cultura das Câmaras de Olhão e Tavira, para a importância dos Maios, apesar da nossa insistência constante, até hoje, pelos organismos responsáveis pela Cultura, ou pelo Saber, não foi dado ainda qualquer sinal claro de terem conseguido entender a questão dos Maios (...)
Na verdade, foi o nosso trabalho de investigação sobre os Maios que, em 2005, nos levou através de Leite de Vasconcelos, ao Auto da Lusitânia e a Gil Vicente. E com os Maios, despertámos para toda a sua obra dramática, porque até aí apenas conhecíamos o que era habitual ao comum dos portugueses, o Auto da Barca do Inferno, da Inês Pereira, da Índia, da Alma, e pouco mais, mas sempre interpretados como é tradicional no nosso país, pela visão do parvo, dirigida à nossa alma simples, e nunca pela visão do filósofo.
Na verdade, será muito difícil que, sem que se compreendam os Maios, ainda que os Maios actuais, alguma vez se compreenda a língua de Gil Vicente, que em muitas das suas obras faz referência a esses bonecos e ao dia de Maio, e algumas vezes os coloca em cena nos seus autos, como em Lusitânia.
Todavia os especialistas não deram a mais pequena atenção àquela nossa publicação (...). Certo é que todos os anos se publicam vários estudos sobre Gil Vicente, e até textos para apoio ao ensino, e na sua grande maioria os seus autores são pagos, e as editoras vêem pagas as suas edições por subsídios do Estado e ou de outras Instituições.
Depressa compreendemos que não devemos entregar o nosso trabalho a quem não está preparado para o receber, ou a quem é incapaz de o compreender, como nos ficou claro com a iniciativa de Capital da Cultura, Faro2005.
Como é costume dominante neste país, será provável que estes nossos escritos venham a ser silenciados, talvez a pretexto da sua transparência (numa forma mais actualizada do exercício da Censura), como acontece com muitos outros autores que hoje são ignorados, pois também noutras épocas isso mesmo já aconteceu, outros foram silenciados em vida, e sempre por aqueles que dominam as teias do poder e da comunicação.