Dezanove de Dezembro
perto era do Natal
na cidade de Lixboa
mui nobre e sempre leal
foi levantado por rei
dos reinos de Portugal
o príncipe dom João
príncipe angelical.
Saiu nua faca branca
parecia de cristal
guarnecida de maneira
que nam se viu sua igual.
Opa leva roçagante
toda fio d’ouro tal
forrada de ricas martas
bem parecia real.
Pelote de prata fina
prata mui oriental
barrado de pedraria
vinha-lhe mui natural.
De perlas nam fazem conta
porque é baixo metal
só um colar que levava
toda Alexandria val.
Na cabeça leva preto
por seu padre natural
saiu com lágrimas tristes
como filho mui leal.
O seu rosto tam fermoso
que parece devinal
seus olhos resplandeciam
como estrelas igual.
Os cabelos da cabeça
d’ouro eram que nam d’al
sua boca graciosa
com ar mui angelical
um sembrante soberano
um olhar imperial.
Nam foi tal contentamento
no povo todo em geral
como ver na rua Nova
ir o seu rei natural
com tanta graça e lindeza
que nam parece humanal.
Os forasteiros deziam:
mui ditoso é Portugal.
O ifante dom Luís
leva o estoque real
o ifante dom Fernando
outro seu irmão carnal
ao estribo dereito
a pé nam lh’estava mal
porque em tal solenidade
tudo lhe vem natural.
Todolos grandes a pé
quantos há em Portugal
o conde priol levava
a bandeira principal.
Chegou assi a sam Domingos
onde estava o cardeal
benzeu o mui alto rei
de benção pontefical
e deu logo juramento
jurou num livro missal
de fazer comprir as leis
como lei emperial.
Confirmou os previlégios
desta cidade real
os povos muito contentes
de rei tam especial
de pequeno sempre grande
manífico e liberal
que é vertude julgada
dos príncepes a principal.
Isto tudo assi acabado
disseram: arraial arraial.
Ali tocam as trombetas
atabales outro tal
todos lhe beijam a mão
os senhores em geral.
Fim.