Pranto de Maria Parda

Gil Vicente, 1522

De Gil Vicente em nome de Maria Parda fazendo pranto porque viu as ruas de Lixboa com tam poucos ramos nas tavernas e o vinho tam caro, e ela nam podia viver sem ele.

[Entra Maria Parda]

Eu só quero prantear

este mal que a muitos toca

que estou já como minhoca

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que puseram a secar.

Triste desaventurada

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que tam alta está a canada

para mi como as estrelas.

Ó coitadas de goelas

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ó goelas da coitada.

Triste desdentada escura

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quem me trouxe a tais mazelas?

Ó gengibas e arnelas

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deitai babas de secura.

Carpi-vos beiços coitados

que já lá vão meus toucados

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e a cinta e a fraldilha.

Ontem bebi a mantilha

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que me custou dous cruzados.

Ó rua de sam Gião

assi estás da sorte mesma

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como altares de Coresma

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e as malvas no Verão.

Quem levou teus trinta ramos

e o meu, mana bebamos

isto a cada bocadinho?

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Ó vinho mano meu vinho

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que màora te gostamos.

Ó travessa zinguizarra

de Mata Porcos escura

como estás de má ventura

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sem ramos de barra a barra.

Por que tens há tantos dias

as tuas pipas vazias

os tonéis secos em pé?

Ou te tornaste Guiné

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ou o barco das enguias.

Triste quem nam cega em ver

nas Carnecerias Velhas

muitas sardinhas nas grelhas

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mas o demo há de beber.

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E agora que estão erguidas

as coitadas doloridas

das pipas limpas da borra

achegou a paz com porra

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de crecerem as medidas.

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Ó rua da Ferraria

onde as portas eram maias

como estás chea de guaias

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com tanta louça vazia.

Já me a mi aconteceu

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na menhã que Deos naceu

à honra do nacimento

beber ali um de cento

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que nunca mais pareceu.

Rua de Cata Que Farás

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que farei e que farás?

Quando vos vi tais chorei

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e tornei-me por detrás.

Que foi de vosso bom vinho?

E tanto ramo de pinho

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laranja, papel e cana

onde bebemos Joana

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e eu cento e um cinquinho.

Ó tavernas da Ribeira

nam vos verá a vós ninguém

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mosquitos o Verão que vem

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porque sereis areeira.

Triste que será de mi?

Que màora vos eu vi

que màora me vós vistes

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que màora me paristes

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mãe da filha do roim.

Quem viu nunca toda Alfama

com quatro ramos cagados

os tornos todos quebrados?

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Ó bicos de minha mama.

Bem ali ò Santo Esprito

i, eu sempre dar no fito

num vinho claro rosete.

Ó meu bem doce palhete

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quem pudera dar um grito.

Ó triste rua dos Fornos

que foi da vossa verdura?

Agora rua da amargura

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vos fez a paixão dos tornos.

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Quando eu rua per vós vou

todolos traques que dou

são sospiros de saudade

para vós ventosidade

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naci toda como estou.

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Fui-me ò Poço do Chão

fui-me à praça dos Escanos

carpi-vos manas e manos

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que a dezasseis o dão.

Ó velhas amarguradas

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que antre três sete canadas

soíamos de beber

agora tristes remoer

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sete raivas apertadas.

Ó rua da Mouraria

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quem vos fez matar à sede

pela lei de Mafamede

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com a triste de água fria?

Ó bebedores irmãos

que nos presta ser cristãos

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pois nos Deos tirou o vinho?

Ó ano triste cainho

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por que nos fazes pagãos?

Os braços trago cansados

de carpir estas queixadas

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as orelhas engelhadas

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de me ouvir tantos brados.

Quero-me ir às taverneiras

taverneiros, medideiras

que me dem ua canada

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sobre meu rosto fiada

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a pagar lá polas eiras.

Pede fiada à Biscainha:

Ó senhora Biscainha

fiai-me canada e mea

ou me dai ua candea

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que se vai esta alma minha.

Acodi-me dolorida

que trago a madre caída

e çarra-se-me o gorgomilo.

Enquanto posso enguli-lo

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socorrei-me minha vida.

Biscainha

Nam dou eu vinho fiado

ide-vos em bôora amiga.

Quereis ora que vos diga?

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Nam tendes isso aviado.

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Dizem lá que nam é tempo

de pousar o cu ao vento.

Sangrade-vos Maria Parda

agora tem vez a guarda

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e a raia no Avento.

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A João Cavaleiro, castelhano:

Devoto João Cavaleiro

que pareceis Esaías

dai-me de beber três dias

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e far-vos-ei meu herdeiro.

Nam tenho filhas nem filhos

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senam canadas e quartilhos

tenho enxoval de guarda

se herdardes Maria Parda

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sereis fora de empecilhos.

João Cavaleiro

Amiga dicen por villa

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un enxempro de Pelayo

que una cosa piensa el bayo

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y otra quien lo ensilla.

Pagad si queréis beber

porque debéis de saber

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que quien su yégoa mal pea

aunque nunca más la vea

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él se la quiso perder.

Vai-se a Branca Leda:

Branca mana que fazedes?

Meu amor Deos vos ajude

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j, eu estou no ataúde

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se me vós nam acorredes.

Fiade-me ora três meas

que ando per casas alheas

com esta sede tam viva

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que já nam acho cativa

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gota de sangue nas veas.

Branca Leda

Olhade molher de bem

dizem que em tempo de figos

nam há i nenhuns amigos

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nem os busque entam ninguém.

E diz o enxemplo dioso

que bem passa de goloso

o que come o que não tem.

Muita água há em Borratém

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e no Poço do Tinhoso.

Vai-se a João do Lumiar:

Senhor João do Lumiar

lume da minha cegueira

esta era a verde pereira

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em que vos eu via estar.

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Fiai-me um jentar de vinho

e pagar-vos-ei em linho

que já minha lã nam presta.

Tenho mandada ua besta

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por ele antre Douro e Minho.

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João do Lumiar

Enxemplo é molher honrada

que nos ninhos de ora a um ano

nam há pássaros ogano.

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I-vos que sois aviada.

Enquanto isto assi dura

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matai com água a secura

ou ide outrem enganar

que eu nam me hei de fiar

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de mula com matadura.

Maria Parda, indo pera casa de Martim Alho, vai dizendo:

Amara aqui hei de estalar

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nesta manta emburilhada

ó Maria Parda coitada

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que nam tens já que mijar.

Eu nam sei que mal foi este

pior cem vezes que a peste

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que quando era o trão e o tramo

andava eu de ramo em ramo

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nam quero deste mas deste.

Diz a Martim Alho:

Martim Alho amigo meu

Martim Alho meu amigo

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tam seco trago o embigo

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como nariz de judeu.

De sede nam sei que faça

ou fiado ou de graça

mano socorrede-me ora

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que trago já os olhos fora

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como rola de anegaça.

Martim Alho

Diz um verso acostumado:

quem quer fogo busque a lenha

e mais se o dono de acenha

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apela de dar fiado.

Vós quereis dona folgar

e mandais-me a mi fiar

pois diz outro exemplo antigo:

quem quiser comer comigo

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traga em que se assentar.

Vai-se à Falula:

Amor meu mana Falula

minha glória e meu deleite

emprestai-me do azeite

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que se me seca a matula.

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Até que haja dinheiro

fiai que pouco requeiro

duas canadas bem puras

por nam ficar às escuras

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que se me arde o candieiro.

225

Falula

Diz Nabucdonosor

no Sideraque e Miseraque:

aquele que dá gram traque

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atravesse-o no salvanor.

E diz mais: quem muito pede

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mana minha muito fede.

Sete mil custou a pipa

se querês fartar a tripa

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pagai que a vinte se mede.

Maria Parda

Raivou tanto Sideraque

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e tanta zarzagania

vou-me a morrer de sequia

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em cima dum almadraque.

E ante de meu finamento

ordeno meu testamento

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desta maneira seguinte

na triste era de vinte

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e dous desde o nascimento:

Começa o testamento de Maria Parda:

A minha alma encomendo

a Noé e a outrem não

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e meu corpo enterrarão

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onde estão sempre bebendo.

Leixo por minha herdeira

e também testamenteira

Lianor Mendes da Arruda

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que vendeu como sesuda

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por beber atá peneira.

Item mais mando levar

por tochas cepas de vinha

e ua borracha minha

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com que me hajam de encensar.

Porque teve malvasia

encensem-me assi vazia

pois também eu assi vou

e a sede que me matou

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venha pola clerezia.

Levar-me-ão em um andor

de dia às horas certas

que estão as portas abertas

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das tavernas per u for.

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E irei pois mais nam pude

num quarto por ataúde

que nam tevesse água-pé

o sovenite a Noé

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cantem sempre ameúde.

270

Diante irão mui sem pejo

trinta e seis odres vazios

que despejei nestes frios

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sem nunca matar desejo.

Nam digam missas rezadas

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todas sejam bem cantadas

em framengo e alemão

porque estas me levarão

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às vinhas mais carregadas.

Item dirão per dó meu

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quatro ou cinco ou dez trintairos

cantados per tais vigairos

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que nam bebam menos que eu.

Sejam destes três de Almada

[...CENSURADO-1522...]

e cinco daqui da Sé

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que são filhos de Noé

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a que som encomendada.

Venha todo sacerdote

a este meu enterramento

que tever tam bom alento

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como eu tive cá de cote.

Os de Abrantes e Punhete

da Arruda e de Alcouchete

de Alhos Vedros e Barreiro

me venham cá sem dinheiro

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atá cento e vinte sete.

Item mando vestir logo

o frade alemão vermelho

daquele meu manto velho

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que tem buracos de fogo.

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Item mais: mais mando dar

a quem se bem embebedar

no dia em que eu morrer

quanto móvel i houver

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e quanta raiz se achar.

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Item mando agasalhar

das órfãs estas nô mais:

as que por beber dos pais

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ficam proves por casar.

Às quais darão por maridos

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barqueiros bem recozidos

em vinhos de mui bôs cheiros

ou busquem tais escudeiros

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que bebam coma perdidos.

Item mais me comprirão

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as seguintes romarias

com muitas Ave Marias

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e nam curem de Monção:

vão por mi à Santa Orada

da Atouguia e da Abrigada

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e à Corujeira santa

que me deram na garganta

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saúde à peste passada.

Item mais me prometi

nua à Pedra da Estrema

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quando eu tive a apostema

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no beiço de baixo aqui.

E por que grã glória senta

lancem-me muita água benta

nas vinhas de Caparica

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onde meu desejo fica

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e se vai a ferramenta.

Item me levarão mais

um gram círio pascoal

ao glorioso Seixal

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senhor dos outros seixais.

Sete missas me dirão

e os cales encherão

nam me digam missa seca

porque a dor da enxaqueca

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me fez esta devação.

Item mais mando fazer

um espaçoso esprital

que quem vier de Madrigal

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tenha onde se acolher.

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E do termo de Alcobaça

quem vier dem-lhe em que jaça

e dos termos de Leirea

dem-lhe pão vinho e candea

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e cama tudo de graça.

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Os de Óbidos e Santarém

se aqui pedirem pousada

dem-lhes de tanta pancada

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como de maus vinhos tem.

Homem dantre Douro e Minho

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nam lhe darão pão nem vinho

e quem de Riba de Ávia for

fazê-lhe por meu amor

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como se fosse vezinho.

Fim:

Assi que por me salvar

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fiz este meu testamento

com mais siso e entendimento

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que nunca me sei estar.

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Chorai todos meu perigo

nam levo o vinho que digo

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que eu chamava das estrelas

agora me irei par elas

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com grande sede comigo.